6 de set. de 2010

Vagando por aí...

(Esse texto que segue é uma auto-proposta de exercício. Decidi sugerir a mim a seguinte proposta: uma narrativa livre. Mas a liberdade, aqui, consiste mais na aventura do personagem que no modo de escrever. Não vão surgir palavras desconexas do meio do nada. Apenas a trilha que o personagem descreverá seguirá uma livre linha de pensamento que vier à minha cabeça, podendo, por exemplo, domir em Itu e acordar em Londres; entrar no Rebouças e sair no Coliseu. E etc. Divirtam-se e experimentem fazer o mesmo pra ver o que sai! O mais legal é que a cada dia, a cada hora, pode e DEVE sair um texto diferente do q já foi escrito, podendo revelar mtas coisas sobre vc e seu atual estado pra vc mesmo... (nããão, esse não é um exercício de autoajuda nem de psicanálise. é só uma brincadeira saudável.) )

Ainda dormindo, segundos antes de acordar, pensei: abrir os olhos seria uma bela forma de começar o dia. Porém acordei com eles cerrados ainda. Uns 5 misteriosos segundos depois, o barulho de flechas zunindo e tiros de canhão me forçou a abrir as pálpebras antes cerradas. Eis que me vejo no fim do século XIX, no meio de um acampamento cheyenne recém-atacado por brancos ensandecidos em busca de ouro. Vi genitais de índios pendurados em paus, vi crianças de colo mortas no colo de suas mães. Vi mães fora de si, gritando inutilmente com seus filhos para que voltassem à vida. Curiosamente, ouvi minha própria voz a me alertar: "Qual a novidade, meu filho? Você vê pior que isso todo dia."

Ainda perturbado e sem entender meu próprio "conselho", fui conversar com um dos sobreviventes do massacre, algum tempo depois de a situação ter amainado. O ombro do índio a que me dirigi ainda pingava um sangue reluzente e sua feição parecia tão tranquila como se ele estivesse tomando um café-da-manhã corriqueiro. Ainda estranhando tudo, fui ter com ele. Aproximei-me e, quando cheguei bem perto, de repente me vi transportado para uma sala de escritótio bem asseada na Inglaterra do século XXI. O homem ainda estava lá, mas agora ele usava terno, tinha olhos gélidos e uma estranha coloração vermelha no rosto, à semelhança do cheyenne ferido. Falava a mim, em meio a gargalhadas que ressaltavam sua engenhosidade, como se eu fizesse parte de sua empresa há anos. E me contava das estratégias de publicidade infalíveis que ele, genialmente, havia desenvolvido, com base em resultados de pesquisa que anilasavam os principais anseios da população, sua forma de pensar, agir e comprar e toda a relação que levava uma coisa à outra.

O homem havia desenvolvido, a partir de todas conclusões a respeito de sua pesquisa, um forma de fazer um ser humano realmente acreditar que ele precisa de um produto inútil. Qualquer um. Ele seria capaz de convencer um jogador de futebol do Íbis a ter a coleção completa de Sêneca em capa dura em casa. Ou um cozinheiro francês de que o miojo instantâneo é sensacionalmente delicioso e melhor que a comida orgânica que ele faz. Estarrecido e decepcionado com o propósito a que o rapaz havia destinado tão estimada pesquisa, rezei para me desmaterializar e aparecer em outro lugar.

Preces atendidas, vamos para o Rio de Janeiro da década de 60. Ditadura militar rolando solta e eu sentado no sofá de uma casa isolada no topo do Jardim Botânico, com vista maravilhosa para a Lagoa. A discussão era sobre músicos. Músicos revolucionários e alienados. Ainda com os olhos marejados da "viagem", eu não poderia ainda discernir as formas que via na minha frente. Ouvia só as vozes e, aos poucos, fui conseguindo distinguir uma grande cabeleira de costas. Um cabelo curto com olhos grandes e claros. Um outro cabelo curto e negro, com bigodes, barba mal feita e um corpo franzino fazendo gestos e gestos. Havia também, mais recolhido em seu canto, uma cabeça raspada com narizes largos e esporádicos sons. Pois bem. Mal acreditei quando me dei conta de que eu estava entre Caetano Veloso, Chico Buarque, Tom Zé e Gilberto Gil discutindo os caminhos da música brasielira em meio à ditadura e à censura. Não necessariamente nessa ordem, um dizia que era hora de romper com tudo e mandar às favas a censura, escrevendo e gritando palavrões em praça pública. Outro dizia que a poesia poderia passar pelo fino filtro da censura, enquanto Sicrano classificava tal atitude como uma covardia deslavada. Considerando a discussão peculiarmente parecida com tudo que se discute e já se discutiu no mundo, me retirei meio desapontado de ver ordinariedade até em meus maiores ídolos.

Insaciado, incompreendido e incompleto, cansei de vagar e resolvi voltar pra minha vida. Aqui, tudo é fantástico. E normal.

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