20 de set. de 2009

Instante

Vícios podres
Que te fazem tão bela
Entrelaçam os odores
Que a noite refestela

Indo ainda a seu encontro
Chuto um feto feito tonto
Vôo e brinco pelo céu
Cinza escuro e carregado
Com pedaços brancos soltos
Como nuvens de papel

Um sapo implora ao lago
Um trago e agora me dizes
Por que cessa sua volúpia
Sede negra das meretrizes?

(Publicado na 52a Antologia de Poetas Contemporâneos, Editora CBJE)

14 de set. de 2009

O gafanhoto

Há não muito tempo, de repente uns vinte ou trinta anos, vivia um homem no terceiro andar de um prédio vermelho tijolo. Desses que têm a escada do lado de fora, parecendo andaimes imensos. Seu apartamento era um turbilhão de cores. Roupas listradas e xadrez espalhadas pelo chão, filtros de café em cima da mesa, garrafas de vinho derrubadas, esperando algum desavisado pisar e se cortar pra ser tomada providência, um violão violeta caído com o mizinho estourado, cinzeiros derrubados com a cinza esvoaçada, uma corrente de ar incerta que ora ia da janela da sala pra janela da cozinha, ora da janela da cozinha pra janela da sala e uma gata amarela passeando no meio de toda essa desordem multicolorida.
Quem não quisesse ver cor teria de fechar os olhos.
Em cima de seu apartamento, morava uma moça monocromática. Uma organização meticulosa regia suas ações. Suas amigas a chamavam “mono”. Em seu lar, tudo era como nos filmes de 1920: preto e branco e mudo. Ocasionalmente, um som, que parecia também ser desprovido de cores. Acreditava-as uma ilusão boba, um obstáculo à realidade crua. A toalha de sua mesa era xadrez e creio não precisar especificar a tonalidade dele. Quem visse suas paredes a julgaria botafoguense. Quem visse suas blusas, uma ex-presidiária.
Quem quisesse ver cor teria de fechar os olhos.
Curiosamente, apesar de vizinhos há mais de década, nunca haviam trocado um oi, um olhar ou um mero aceno de cabeça. Por essas coincidências que fogem à explicação sensata, nunca se tinham esbarrado na escada, ele nunca segurara a porta pra ela e suas correspondências nunca trocaram de lugar.
Até que um dia, após uma extasiante jornada de trabalho noturno regado a café preto numa xícara branca, a mulher, ao chegar em casa doida de sono e pronta a se afundar na cama em toneladas de sonhos, viu seus planos destroçados pelo timbre altíssimo do piano que vinha do andar de baixo.
Desceu as escadas como um zumbi, cambaleante, com os olhos pregados, as pernas mal respondendo a seus comandos, as pálpebras menos ainda, que dirá a boca. Bateu à porta uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes, quase dormindo ali mesmo. Antes do sétimo “toc”, o homem abriu a porta. A moça, já sem forças, não agüentou e desmaiou de sono. Ele subiu as escadas com ela no colo e a levou a seu apartamento, onde também tombou adormecido.
Ao acordar, no dia seguinte, a mulher escandalizou-se ao ver um rapaz dormindo no meio do chão da sala. Como se não bastasse, trajava uma roupa que descombinava verde, amarelo, laranja, azul e vermelho. Um verdadeiro horror a esses olhos desavisados.
Aproximou-se lentamente e misturou suas mechas negras entres os cabelos louros dele. Sentiu um odor de vinho, vindo de seus lábios roxos. Os dentes não tinham outra cor. Acreditando-se louca, envolveu seu rosto com as mãos e deu-lhe um beijo úmido na boca. Sereno, o homem continuou a dormir. Ela, atrasada, pôs um anel vermelho e saiu logo pra fazer qualquer coisa.
E, por essas coincidências que fogem à explicação sensata, nunca mais se viram.
Uns dizem que ela se matou, outros que enlouqueceu e vive bêbada pelos botecos de não sei onde. Pois eu digo que ela se mudou pra longe e desafogou um talento há muito encarcerado de uma pintora talentosíssima que viu as cores de sua cabeça explodindo em telas mais bonitas que qualquer criança lúdica poderia imaginar.
Ele, por sua vez, comprou também o apartamento de cima e passou a chamar todas as tardes seus amigos para ensaiar peças de teatro que sabia que nunca seriam apresentadas, com a pretensão de quem tenta acender um cigarro molhado.
O mundo continuou a girar, um sapo coaxou e o dia anoiteceu, sem pensar duas vezes.

(Publicado no livro "Contos selecionados de autores premiados", Editora CBJE)

2 de set. de 2009

Oi!

Olá a todos. Esse é mais um dos milhões de blogs que existem por aí, mas não é apenas mais um. Pretensiosamente interessante, é um blog com atualizações no mínimo semanais, que vão desde textos, desabafos, contos e poemas a vídeos gostosos de assistir, sejam eles feitos por mim mesmo ou retirados do youtube.
Música e literatura são as principais fontes de inspiração do blogueiro. Sejam bem-vindos e divirtam-se!