2 de set. de 2010

A última farra de Juan Cagado

Pra vocês que já começaram pensando besteira: não, o apelido de Juan nada tinha a ver com evacuadas escatológicas... Juan era um rapaz de sorte ímpar e era daí que vinha sua alcunha curiosa. Os amigos se impressionavam com sua capacidade quase desengonçada de falar com mulheres lindas, que sempre se interessavam por ele de forma intensa e inexplicável. Vinha principalmente daí a incompreensão de seus chegados. E, como a maioria de nós, os amigos julgavam sorte aquilo que não conseguiam compreender. Assim, Juan Cagado fazia sua fama misteriosa em sua cidade e arredores.

De fala fácil, desenvolta, Juan fazia amizades como quem veste pijamas. Nunca passou mais de uma hora sozinho numa mesa. Sempre vinha alguém lhe acompanhar. E, talvez por falar demais, pouco conheciam de seus anseios mais profundos, de suas agruras passadas, suas desventuras amorosas. Juan não tinha grilos com nada e nem sapos para engolir. Não levava desaforo pra casa simplesmente porque não os catava na rua.

Pois foi numa sexta-feira,
bem alegre e faceira,
como as muitas já vividas,
que Juan entrou calado,
sem olhar nem pras bebidas.

Era um dia como qualquer outro dia excepcional. Uma sexta-feira já traz, em si, pululantes expectativas, travadas pela rotina precedente. Porém nessa, em especial, parecia o céu um pouco leve demais. Há quem jure que sentiu, naquele dia, um leve gosto de madeira misturado pelo ar. Os malucos da cidade estavam mesmo em polvorosa.

As cachaças e os uísques
pareciam hoje ter
multiplicado seu efeito.

E desse jeito, nesse clima, o barzinho da cidade E., que circunda o grande centro, recebia seus fregueses como manda o figurino. Hospedeiro e simpático, Seu Ivo nunca havia sido visto em tamanha excitação:

dentre homens e mulheres,
não escolhia ou hesitava:
só servia muito bem
e para ele isso bastava.

E Juan ali no canto, encostado como sempre, escondido como nunca, provava, pela primeira vez em 30 anos de bar, a capacidade da cozinha de Seu Ivo.

E gostou até demais
Do que veio ao seu prato
Na bandeja o garçom traz
Um lanchinho insensato.
Pois se todos já sabiam
Da alergia de Juan
Muito poucos entendiam
Chegar essa febre vã

Logo hoje, com a gente,
Ele pede camarão.
E se despede (e)ternamente:
Não sou desse mundo, não.

Um comentário:

  1. serenamente apoteótico, lendário, como grande parte de teus textos... queria ter a tua paciência de Taurus Rising para estender minhas narrativas econômicas em demasia - tenho certa preguiça até pra haikais kkk. que falta eu sinto de ti, cara! um dos melhores escritores da nossa geração. ponto.

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