8 de jan. de 2010

Marcos e o velhinho

Marcos, sentado num banco azul-marinho de uma praça enorme, esperava outro dia normal. Lia seu jornal às nove e meia da manhã, com o sol a lhe dourar apenas o lado direito do rosto fino e comprido (o resto de seu corpo estava coberto pela sombra de um cajueiro), quando se sentou ao seu lado um velhinho. Pediu licença, ajeitou seu bonezinho verde-limão e acomodou-se. Marcos, com o canto do olho, dirigiu ao recém-chegado uma avaliação relâmpago: calçava umas sandálias de palha acolchoadas e amarelecidas pelo tempo. Devem ser confortáveis, matutou o jovem. Prosseguiu a avaliação e não pôde deixar de notar os joanetes do tamanho de uma bola de tênis que o moço cultivava. Seus olhos, aos poucos, foram subindo pelas pernas: as canelas mais pareciam as de um colecionador de pelancas. Passou a achar a cara de seu bulldog de 13 anos muito menos feia. Subiu mais um pouquinho e reparou que as rótulas do joelho do senhor estavam tão no lugar quanto as íris do vesgo mais vesgo do universo. Acima, uma daquelas visões tenebrosas dignas de um clímax de um livro chato, em que se lê 400 páginas à espera de alguma pequena emoção e que se revela uma boa de uma perda de tempo, um romance inacabado de um aspirante a escritor que não sabia o que contar: a barriga caía pela cintura, pélvis abaixo.

Extasiado de tanta surpresa malograda, resolveu voltar para o jornal, que também não ajudava muito. Leu sobre um suicídio de uma rica excêntrica, que encheu a piscina de sua casa com suco de laranja e foi nadando pro fundo, até quedar-se sem fôlego. Leu sobre uma bala perdida que resvalou num hidrante, numa medalhinha que estava no peito de uma moça e que foi parar na orelha de um cachorro, já sem força.

- Que mundo louco - matutou novamente.

Voltou ao velho. Ele agora fazia movimentos estranhíssimos, levava os dedos aos joelhos deslocados, descia para as meias finas, voltava ao joelho com rapidez pouco usual para uma idade tão avançada.

Quando Marcos, já incomodado, foi levantando-se para ir embora, o senhor se pronunciou:

- Oh, fique mais um pouco, que mal há em fazer 5 minutinhos de companhia a um pobre coitado como eu?

- Ahn... Estou meio atrasado pro trabalho – Foi a primeira desculpa que lhe veio à mente

- Atrasado? – Fez uma cara de cachorro pidão muito bem ensaiada – Tudo bem, então eu fico aqui sozinho, sem nada pra fazer, sem ninguém pra conversar... – lamuriou-se o perspicaz senhorzinho.

- Tudo bem, eu fico um pouco aqui.

- Oh, ainda existem nobres corações nesse mundo! - exclamou, logo depois de encher os pulmões.

Marcos sentou-se de novo. Passaram-se 5 minutos de um agonizante silêncio, até que o jovem disse:

- Bem, agora vou-me indo mesmo. Até.

- Espere mais um pouco! Você não fuma? – Disse o senhor, enquanto punha a mão em tremelique no bolso direito de sua bermudinha...

- Não, obrigado. – Cuspiu Marcos, afastando-se apressado.

- Ei! – Foi sua última palavra. Quando Marcos virou-se para ver o que era, ouviu um estrondoso baque surdo, som de bala fina penetrando com facilidade a cabeça deteriorada de um velho decrépito.

O jovem começou a suar frio e nada mais fez ao longo do dia além de matutar, rezando para que estivesse num pesadelo fugaz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário